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Desconfiando da vergonha

desconfiando da vergonha
“A nossa mente é uma expert em nos pregar peças, em rasgar a nossa coragem”, comenta Vitorino | Foto: Divulgação

A carteira caiu no chão. Estava na hora tão desejada de ir pra casa, era final de expediente. Abaixei com convicção para pegar a carteira quando ouço um barulho estranho. Não poderia ser outro, a minha calça rasgou e imagine onde? Sim, na parte de trás, mais vulnerável impossível. Corri para o banheiro para ver o tamanho do estrago. Não poderia ser pior, não foi uma abertura causada pela costura que tenha desfeito, era um rasgo mesmo. Não era uma decisão difícil de tomar, ora já tinha acabado o expediente era correr pra casa. Eu ainda tinha o desafio de correr até o estacionamento para resgatar o meu carro. Eu trabalhava no centro da cidade do Rio de Janeiro, e era 18h, horário de saída da maioria das empresas. Eu desci e buscando me convencer que estava tudo bem, fui andando de cabeça baixa. O curioso é que para mim, todas as pessoas estavam olhando e rindo, mas não pude confirmar isso. Sentia-me completamente nu.

Segui em frente pelo Largo da Carioca, um dos lugares mais movimentados do centro do Rio até que me deparo com um pequeno lance de escadas. Não precisa ser um gênio para saber que ao subir as escadas eu ficaria mais vulnerável ainda, com o rasgo mais à amostra. Não tinha como dar volta, era necessário passar por ali.

Algo acontecia naquele momento. Minhas bochechas deviam estar coradas e a minha vontade de sumir era gigante! A vergonha estava instalada. E vergonha é um pré-julgamento cujo resultado é a auto condenação. Por vezes nos condenamos por falta de provas. É exatamente isso, não é a absolvição por falta de provas, o que seria mais cabível, ao contrário, o comportamento padrão é a condenação por falta de provas.

Mas porque sentimos vergonha? O principal motivo é o medo da não aceitação. Incrível como nós seres humanos temos a necessidade de aceitação. No mínimo, não queremos ser o alvo das críticas, mas de preferência, sermos aceitos e elogiados. É assim na família, na escola, na faculdade, no trabalho, é assim na vida.

Aquelas pessoas que estavam ao meu redor também queriam ir para as suas casas e certamente não estavam prestando atenção em mim. Mas o medo quase me paralisou.

Consegui chegar no meu carro e começar a jornada de volta pra casa. Foi um período de reflexão. Pensava sobre o ocorrido e como aquilo me influenciava. Ora eu nem conhecia aquelas pessoas, mas por que me preocupava tanto?

Na vida, alguns rasgos são capazes de gerar um comportamento tímido e envergonhado. É como se todos estivessem vendo o rasgo. E mesmo que estivessem, como é importante nestes momentos invocar o lado mais racional do cérebro. A intuição nos trai a todo instante e a razão nos diz que a pior crítica é a autocensura. A certeza de que deveria ter feito e não fazer é avassaladora. Não se combate a vergonha se expondo mais ou tentando ser um “sem vergonha”. Ela é combatida por meio da razão, um pensamento organizado e coerente sobre perdas e ganhos. Uma análise dos riscos.

É claro que eu não tinha nada a perder no episódio acima relatado, a não ser pessoas rindo e debochando de mim. Mas na hora era difícil me convencer disso. O problema não era a calça, não eram as pessoas, o problema era a minha mente. Mas a verdade era que mesmo com calça sem rasgos eu não teria aceitação e nem aplausos daquelas pessoas, ou seja, o contrário também é verdadeiro. Com a calça rasgada, por mais que percebessem ninguém iria puxar uma vaia em praça pública, e se perceberam mas não se manifestou como eu irei saber? Até hoje não sei se alguém reparou ou não.

A verdade é que quando a vergonha chega, não estamos prontos para compreendê-la com a razão. E geralmente não temos pessoas queridas por perto para ajudar. Por isso é importante desconfiar de seus pensamentos. Isso mesmo, desconfiar das conclusões que a nossa intuição chega precipitadamente. E algumas perguntas nos ajudam a organizar o pensamento como: alguém que conheço já passou por isso? Como foi? Qual é o problema?

Após um longo dia de trabalho, eu queria chegar em casa e algo me atrapalhava a cumprir a minha missão. A vergonha é um sentimento inibidor e por vezes nos atrapalha a seguir a caminhada. Por isso, busque desconfiar as vergonhas que você sente, procure investigar as causas e consequências se são realmente verdadeiras. A nossa mente é uma expert em nos pregar peças, em rasgar a nossa coragem.

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