Desde que elevado, a princípio do Estado Democrático de Direito Brasileiro, a dignidade da pessoa humana vem buscando formas de ser implementada materialmente como política pública para maior efetivação e diminuição das diferenças vividas pelas chamadas minorias.
O sistema de cotas em concursos públicos e em repartições públicas, estabelecendo-se um número mínimo de pessoas da etnia negra e indígena, assim como portadores de necessidades especiais, é uma forma de materializar a política pública de igualdade da dignidade da pessoa humana e diminuir as desigualdades sociais entre grupos identificados como minorias.
A filosofia jurídica já concluiu que um Estado deve observar a opinião da maioria, mas sem esquecer a posição a ser conciliada dos grupos de minorias. De certo que a ditadura da maioria seria temerária à consolidação de uma democracia, da mesma forma que o reverso, isto é, a ditadura das minorias seria contrária aos interesses vigentes na República. Cabe ao legislador, ao administrador e ao juiz, observar o equilíbrio de forças entre essas duas, que resulte em se ouvir a minoria, mas ainda assim atender aos interesses da maioria.
O Brasil ainda é o maior país católico em contingente de fiéis do planeta e, ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha, por fim, afastado a obrigação dos cidadãos serem católicos, defendendo a ideia da laicidade do Estado, essa questão não é meramente jurídica, mas sim social, em que a consolidação desta noção religiosa, com base no patriarcado, ainda não foi definitivamente afastada do pensamento do brasileiro: somos ainda muito preconceituosos.
Mulheres, negros, indígenas e portadores de necessidades especiais dividem o ranking das minorias de maior perda ao longo do desenvolvimento socioeconômico do Estado brasileiro, o que gera expectativa, mais do que premente, por políticas públicas de isonomia, isto é, que reequilibrem essas pessoas na sociedade.
Mulheres ocupam mais funções públicas; negros e indígenas têm a oportunidade de melhorar sua posição econômica perante a sociedade brasileira; portadores de necessidades especiais têm não apenas maior acesso às carreiras públicas, como também efetiva acessibilidade para acessar vias e prédios públicos e privados.
Ainda que percebamos os avanços, infelizmente muito há que se progredir. Leis promulgadas com vícios formais, em que a previsão constitucional seria de um determinado agente, ou colegiado de agentes, e que a lei fora proposta por outro, encerram por declarar inconstitucionais determinadas leis de cotas, como no caso do Rio de Janeiro, que teve um retrocesso nessa importante implementação da dignidade da pessoa humana por questões que em muito fogem à compreensão da população como um todo.
De qualquer forma, devemos observar os avanços e lutar para evitar que os retrocessos sejam extensos. Há uma dívida da sociedade brasileira com o gênero feminino, tão massacrado por aviltante patriarcado que tanto afastou as mulheres do cenário político e financeiro brasileiro; da mesma maneira que a etnia indígena tão dizimada pela colonização Ibero Hispânica; os negros são um resgate não apenas da sociedade brasileira, como último país da América Latina a libertar a mão de obra escrava, mas como dever mundial que se utilizou durante séculos da repressão dos Estados Africanos e sua exploração laboral, devendo, portanto, a sociedade como um todo, afastada a noção de fronteira, conjugar esforços no sentido de diminuir de forma global as diferenças entre negros e brancos.
Estejamos certos que as chamadas dívidas sociais serão pagas por todos, voluntária ou involuntariamente, ou há dúvidas de que o surgimento da AIDS no continente africano é uma resposta a isso? Assim, salvo outro juízo, devemos optar por políticas públicas de inserção social positivas, como o sistema de cotas em carreiras públicas, de forma voluntária e atendendo aos anseios dessas minorias tão esmagadas por interesses nem sempre legítimos.