No dia 6 de março de 2017, estive no lançamento da campanha “Somos todos 21” na Barra da Tijuca. No auditório, convidados e suas famílias e, no palco, protagonistas da websérie Geração 21, que é uma realização do Projeto Cromossomo 21. Sentada na cadeira do auditório, ao lado da pedagoga Tatiane Santos, assistindo ao belo trabalho de Alex Duarte e de Karina Carvalho, viajei para minha longa experiência com as famílias das pessoas com Down. Os discursos eram diversos e os olhares curiosos daqueles que resolveram dizer ao mundo que são pessoas. Após a apresentação da história de cada um, lágrimas escorriam de boa parte da plateia, perguntas foram elencadas. Uma das perguntas levantadas pedia uma comparação entre o momento atual das pessoas com Síndrome de Down e a situação que acontecia trinta anos atrás. A pergunta se direcionava a uma senhora com Síndrome de Down. Muitos murmurinhos com a pergunta complexa lançada à mesa. Rapidamente, a resposta foi elaborada pela senhora e com um estilo que lhe é particular. Sua resposta me fez voltar aos anos 70 quando era protagonista de uma equipe de triagem na APAE-RIO (a equipe que recebe as famílias com seus filhos Down) e, durante vinte anos, ouvi, vivi, discuti e colaborei na construção de um olhar diferente sobre esta população. Nossa equipe já pensava de forma diferente e todos os diagnósticos eram acompanhados do contexto histórico e situacional da família.
Quando eu reflito sobre este espaço de tempo, acredito que mudamos de forma velada porque os protagonistas que ali estavam tinham um tesouro por trás: suas famílias! E marcando de novo: famílias compostas de pai e mãe além de pessoas com um poder econômico razoável que permitiu dar aos filhos base para seu crescimento. O espaço de significado valor sem dúvida pode alterar algo que há 35 anos lutamos para ser reconfigurado. Pessoas com síndromes, pessoas com deficiência visual, física, auditiva e autistas são pessoas e todos, sem exceção, são capazes de superar os limites concretos do corpo mas estes limites não pertencem às suas almas. Temos que compreender que o nascimento de um filho com síndrome não significa deficiência, mas, sim, cuidados específicos como todos os filhos nos exigem. O que empobrece a capacidade de um ser é a ausência de políticas públicas que respeitem naturalmente o desenvolvimento e a aprendizagem de pessoas e suas famílias que necessitam de investimentos físicos, financeiros, de locomoção e de qualidade de serviços que estejam conectados aos novos paradigmas científicos. Isto não mudou! Inclusive não mudou o uso do beneficio dado a famílias com determinada renda que normalmente é desviado para os custos da família, já que ter emprego anula o benefício. Os custos de um acompanhamento às pessoas com Síndrome de Down são altos, como são de todos os seres humanos, pois serviços especializados como Psicologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Psicomotricidade são atividades permanentes e necessárias para o nosso bem estar.
Depois desta questão que não foi aprofundada pela plateia, tendo em vista que não era o espaço deste debate, uma outra pessoa começou a questionar se seria importante morarem sozinhos. Foi brilhante a capacidade de marcarem a todos: somos pessoas e almejamos morar sozinhos.
Nos anos 90, tive o prazer de visitar a cidade de Stetten que fica situada entre o sul da Floresta Negra (Schwarzwald) e o Lago de Constança (Bodensee). Apesar da Alemanha ter uma história marcada por verdadeiros extermínios dos que eram “diferentes”, suplantou sua mancha negra e hoje os deficientes têm direitos garantidos em todas as áreas de direitos humanos. Lá o deficiente há muitos anos casam, moram de forma independente, e há cidades inclusivas onde não são necessárias leis e decretos separados.
Os deficientes são pessoas e têm os mesmos direitos dos demais. Sim! É esta inclusão que quero deixar para nossa reflexão. Que inclusão é esta que acontece no Brasil? O governo continua ausente de suas responsabilidades, deixando nas mãos das famílias a responsabilidade pela educação e saúde dos ainda chamados deficientes. Foi por isto que Apaes surgiram no Brasil, para proteger os que eram diferentes…Mas da proteção já chegamos ao nível da aprendizagem, desenvolvimento e vida social. Não é mais momento de discutir a capacidade das pessoas com Síndrome de Down, mas a nossa capacidade de gestar potenciais adaptativos. Isto quer dizer que as condições sócio-históricas marcam a possibilidade ou não da existência dos seres humanos.
Utilizando a linguagem dos protagonistas: “são três pauzinhos”. Sim, apenas três pauzinhos e muitos obstáculos para vivermos uma sociedade inclusiva onde ver um Down trabalhando não levante mais em cada um de nós comoção, choro ou piedade por serem sindrômicos, mas promovam choro e emoção porque a capacidade humana é fantástica, basta permitir que a nossa humanidade venha à tona e construa laços saudáveis com todos os seres humanos.