O termo Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade tem sido utilizado para definir pessoas que possuem dificuldade em manter-se atentas, inibir impulsos e que apresentam uma coordenação ou controle muscular pobre. O TDAH é um dos distúrbios comportamentais mais diagnosticados da infância (3 a 5%), e isso se deve, em parte, a erros de diagnósticos, devido à falta de compreensão daquilo que constitui a essência de uma criança hiperativa.
Geralmente, as crianças que apresentam este transtorno são difíceis de conviver. Com frequência, a criança hiperativa tem sérias dificuldades de aprendizagem, causadas por redução das habilidades perceptivas (visuais, auditivas e, às vezes, táteis). Suas dificuldades motoras provocam uma pobre coordenação, afetam sua capacidade de escrever com facilidade e clareza. Podem ter dificuldade em ficarem sentadas e quietas, pois têm a necessidade de se movimentar excessivamente. Às vezes, falam muito. Podem ter maneirismos desagradáveis, bater nas outras crianças e provocar, frequentemente, vários tipos de conflitos. São desajeitadas e têm dificuldade em fixar a atenção, pois tendem a se distrair facilmente. Algumas vezes, fazem várias perguntas, mas raramente esperam respostas. Além disso, costumam ter poucos amigos, já que apresentam pouca habilidade para estabelecer relacionamentos interpessoais. Usualmente, estas crianças denotam um grande sofrimento, pois são humilhadas pelos atributos que lhe são afixados. Passam por frequentes situações de bullying. Porém, apesar de apresentarem uma autoimagem deteriorada e sentimentos de inferioridade, elas lutam para sobreviver em um mundo que lhe parece desigual e injusto.
O TDAH possui aspectos neurobiológicos (BERKLEY, 2002), mas é importante e necessário considerar o individuo em sua forma ampla, em sua totalidade. Portanto, pode-se considerar que o TDAH não é algo que a criança possui, e sim algo que ela é, logo, não tem cura, pois é constitutivo do sujeito. Mas ela pode ser manejada com a ajuda dos pais, professores e profissionais que venham a orientar o hiperativo sobre como regular a alta excitação experienciada. O TDAH deve deixar de ser considerado apenas uma doença e passar a ser visto como um temperamento, que, por conta de sua condição “hiper”, provoca certos desequilíbrios. A criança nasce hiperativa, não se torna hiperativa.
A criança TDAH tem uma atenção exagerada voltada para o exterior, esta percepção sobrepõe-se à percepção de si mesma, evidenciando uma reduzida consciência de suas experiências internas. A consciência é confusa, com tendência a não diferenciar suas necessidades em uma ordem hierárquica. A criança aparenta não saber o que fazer, o que olhar, o que procurar, por não saber priorizar suas necessidades.
Segundo Antony & Ribeiro (2005), em uma escala evolutiva, o movimento precede o pensamento, de modo que o próprio movimento leva à percepção, até que se alcance a simbolização. Logo, como a criança com TDAH possui sempre uma movimentação iminente, a sua hipercinesia pode substituir a falta de pensamento organizado.
Com isso, podemos ver que a questão corporal toma grandes proporções dentro da dinâmica do TDAH, uma vez que o corpo precede o psíquico. O eu corporal surge do movimento de sensações e percepções do corpo com o mundo. Enquanto que o eu psíquico nasce da elaboração dessas percepções acerca do mundo e de si. Com a impulsividade presente no TDAH, essa construção toma outra conformação.
De acordo com Antony e Ribeiro, o campo afetivo/emocional da criança também sofre danos: “A afetividade da criança hiperativa se expressa de forma intensa, levando a criança a responder ao mundo com uma forte sensibilidade sensorial e emocional. O seu funcionamento global “hiper” cria a hiperemotividade que provoca um alto nível de reatividade diante de toda experiência afetivo-emocional.” (p. 221).
Para a Gestalt-Terapia, os conceitos de Contato e Awareness são necessários para o entendimento dos processos psicológicos de um sujeito. Para tanto, Perls, Hefferline & Goodman (1997) trazem que contato é o processo no qual o sujeito entra em relação consigo mesmo, com o outro e com o mundo, com o intuito de se diferenciar. Já a awareness diz respeito ao processo de “(…) estar em contato vigilante com os eventos mais importantes do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensoriomotor, emocional, cognitivo e energético.” (YONTEF, 1998, p. 31)
Com isso, podemos dizer que o contato só se dá, de fato, através da regulação organísmica. Se essa regulação não ocorre de forma plena, se as necessidades do organismo não forem satisfatoriamente saciadas, se não ocorre a awareness, as gestalten ficam abertas, e isso gera desequilíbrio funcional.
Para elucidar melhor como se dá esse processo de adoecimento na perspectiva gestáltica, temos que a condição de doença ocorre quando não há contato, ou seja, existem mecanismos de defesa do eu impedindo que o indivíduo faça contato com aquilo que pode causar algum sofrimento.
A criança TDAH, muitas vezes, está simplesmente evitando entrar em contato com si própria, abstendo-se de sentimentos dolorosos, ou, quando o faz, acontece de forma superficial, o que em Gestalt Terapia chamamos de deflexão, o primeiro mecanismo de defesa utilizado pela criança TDAH. Ela se utiliza, também, da projeção, que é um mecanismo de defesa que faz com que o individuo se recuse a aceitar aspectos de sua personalidade, projetando para o ambiente aquilo que é seu. O terceiro mecanismo que ela utiliza é o egotismo, onde se originam as noções de autorreferência da criança. No TDAH, esse processo se dá no querer imperativo da criança, por meio do qual tudo deve ser da forma como ela quer, como se ela fosse o centro de tudo, das ações aos seus sentimentos. Com isso, sua demanda afetiva é alta, fazendo com que possua uma alta vulnerabilidade emocional. Por último, há a proflexão, que pode ser descrita por Ribeiro (1997) como um mecanismo de compensação, já que a ideia é fazer ao outro o que gostaria que fizessem com ela.
Tendo em mente que o objetivo deste processo descrito neste artigo toma como base a dimensão holística da Gestalt Terapia, o individuo adoecido deve ser visto de forma integral.
Crianças com TDAH possuem atenção difusa para algumas tarefas e outras não. O seu aspecto criativo deve ser levado mais em consideração do que o seu déficit de atenção e/ou hiperatividade. E devem ser tratadas de forma a fazer com que se conscientizem de si, de suas necessidades, e do outro, enquanto relação organismo-meio, sempre buscando um ajustamento criativo que lhes propicie autocrescimento.