A pandemia fez com que a relação das pessoas com seus pets se estreitasse ainda mais. Em um tempo em que conviver com outro humano poderia ser perigoso, muitos idosos, por exemplo, isolados de seus familiares, tiveram como única companhia a do seu cão ou gato. Os bichinhos se tornaram essenciais por se apresentarem como apoio emocional durante o período de isolamento social.
É verdade que a companhia dos animais pode trazer benefícios para a saúde física e mental do ser humano. Há comprovação científica na ajuda do controle do estresse, da pressão arterial e problemas cardiovasculares. Tem grande importância para os idosos e são indicados em casos de depressão, tornando-se motivação no dia a dia e ocupando vazios existenciais na vida das pessoas.
Estudos demonstram que esta relação aumenta a produção de endorfina, o que melhora sentimentos depressivos. Diminui ainda a percepção “do dar” e aumenta o número de células de defesa do organismo
A convivência com bichinhos de estimação ensina as crianças a respeitarem a natureza, além de torná-las mais calmas e carinhosas. Aquelas com problemas psicológicos também se beneficiam deste contato. Pesquisadores já demonstraram que a posse de um animal de estimação durante a infância é uma influência extremamente importante para a construção de uma conduta adulta favorável e para alcançar um ótimo desenvolvimento social.
Querer conviver com animais é importante, porém não pode ser substituto das relações humanas. Trocas afetivas amorosas são fundamentais para o crescimento pessoal e social e não podem ser substituídas de forma rígida e inflexível pelo convívio com o animal, correndo o risco de se transformar em defesa neurótica contra o medo do abandono nas relações entre as pessoas. Amar é risco, se doar é risco, ouvir e ser ouvido é sempre bom. Olhar as relações como aprendizado talvez seja uma boa forma de continuar investindo e fazendo a sua parte.
É comum hoje ver crianças, adolescentes e adultos jovens brincando ou sentados juntos, porém individualmente vinculados aos seus games ou celulares buscando e-mails e acessando, por exemplo,suas redes sociais. Sem palavras. Sem a observação do outro. Muitas vezes, sem a observação sobre si mesmo. A vida se modifica, o tempo corre e não dá tempo para troca mútua. E quando estamos juntos a tecnologia media a relação. Isso acontece nas relações entre pais e filhos, amigos e nas trocas amorosas entre os casais.
Se relacionar é difícil e dá muito trabalho e, além disso, pode gerar dor e sofrimento. Aliás, muitas vezes é o que acontece. É natural. A dor do término, da rejeição, da traição, mas há também a dor da mudança, do crescimento que pode ser alcançado dentro de um relacionamento. O mundo contemporâneo que traz em sua bagagem uma mudança de valores intensa, traz também a insegurança da “descartabilidade” das relações.
As relações de consumo se transpuseram para as relações pessoais e o medo de se tornar objeto é um fantasma que ronda os relacionamentos. Os valores tradicionais que “asseguravam” as relações e os casamentos (assegurar não tinha sinônimo de bem estar e felicidade) não mais se estabelecem. Neste momento de transição a fluidez do consumo torna-se uma grande defesa frente à ameaça da perda e da rejeição. Consumimos roupas, comida, tecnologia e pessoas. Mas no fundo pessoas querem se sentir amadas e também valorizadas nas relações. E o ciclo vicioso se estabelece: o medo gera relações superficiais, que geram pouca intimidade e olhar sobre o outro, que levam ao fracasso nas relações, que geram mais medo e maior superficialidade.
* Artigo publicado pela colunista Andreia Soares Calçada, psicóloga clínica e jurídica. Perita do TJ/RJ em varas de família e assistente técnica judicial em varas de família e criminais em todo o Brasil. Mestre em sistemas de resolução de conflitos. Autora de livros e artigos na área jurídica.