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Da rua para a roda: a transformação dos meninos na Casa de Cultura Volta do Mundo e Conexões

Eles chegam em silêncio, muitos trazidos pelos próprios pais — homens e mulheres cansados de ver os filhos à deriva, envolvidos em pequenos delitos, marcados pela rua ou pela ausência de rotina. São adolescentes que viveram conflitos com a lei, deixaram a escola cedo e aprenderam a sobreviver onde o Estado costuma falhar. Hoje, encontram na Casa de Cultura Volta do Mundo e Conexões, na Pequena África, um espaço de respiro, aprendizado e reconstrução.

Ali, a capoeira é mais que movimento. É um instrumento de recomeço. Sob o toque do berimbau e a batida dos atabaques, os meninos reaprendem o tempo — hora de chegar, hora de ouvir, hora de respeitar. O corpo, antes habituado à fuga, agora se move em ritmo de pertencimento.

De acordo com a gestora Simone Torres, o trabalho com os meninos é contínuo e exige paciência. “Muitos deles já passaram por medidas socioeducativas, outros vivem em situação de vulnerabilidade extrema. O que a gente faz é dar estrutura, afeto e oportunidade para que enxerguem outro caminho”, explica.

Os adolescentes chegam encaminhados pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), órgão da Prefeitura do Rio, responsável pelo acompanhamento de medidas socioeducativas. No primeiro dia, costumam vir acompanhados pelos pais, por serem menores de idade, e depois passam a frequentar o espaço de forma independente

“A presença das famílias é fundamental. São elas que trazem os meninos, que ficam, que acreditam junto com a gente”, completa Simone.

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A Casa de Cultura Volta do Mundo e Conexões é reconhecida como polo do programa Reviver Centro

As atividades são conduzidas por Eduardo Escadão, mestre de capoeira e um dos gestores da Casa. Ele comanda as rodas, as dinâmicas corporais e, sobretudo, o convívio. “A gente usa a capoeira pra reorganizar o corpo e a cabeça. Eles aprendem a lidar com limite, com frustração e com vitória também. E quando um deles entende que pode errar e voltar no dia seguinte, começa o processo de cura”, diz Escadão.

As atividades são conduzidas pelo gestor Eduardo Escadão, mestre de capoeira e um dos gestores da Casa. Ele comanda as rodas, as dinâmicas corporais e, sobretudo, o convívio. Além dele, outros voluntários integram a rotina da Casa. Um deles é o Daniel Oliveira, que chegou como aluno e hoje ministra as aulas de percussão. Embora parte das turmas seja formada por jovens em medidas socioeducativas, as aulas de capoeira também são abertas à população em geral, com horários distintos para cada público.

Mas a proposta da Casa vai além do tatame. Além das rodas, há oficinas de música, audiovisual, escrita e tecnologia. O objetivo é mostrar que o talento pode ser ferramenta de autonomia. Os meninos aprendem a manusear câmeras, editar vídeos, escrever roteiros e, principalmente, a se comunicar. Para cada um, é montado um acompanhamento personalizado que inclui escuta individual e metas simples — voltar a estudar, ajudar em casa, participar das atividades semanais.

Com o tempo, os resultados aparecem. Alguns jovens, antes arredios, hoje ajudam na arrumação das rodas ou ensinam os mais novos. Outros retomaram o contato com a escola ou conseguiram emprego com indicação da própria Casa. O processo não é rápido, mas é sólido. A transformação acontece no vínculo, na constância e no sentimento de pertencimento.

A Casa de Cultura Volta do Mundo e Conexões, reconhecida pela Prefeitura do Rio como polo do programa Reviver Centro, atua como um laboratório de cidadania e criação. Além da capoeira, promove atividades culturais e artísticas abertas ao público, sempre com foco na valorização da identidade afro-brasileira e no fortalecimento comunitário. O projeto já é referência em educação social pela cultura, reunindo profissionais de diferentes áreas para construir caminhos possíveis para crianças e adolescentes do entorno.

No casarão da Rua do Rosário, cada roda é mais do que um treino: é um ato de resistência e esperança. O som do berimbau, que um dia marcou luta e liberdade, agora anuncia também a possibilidade de futuro. Para meninos que um dia só conheceram o asfalto e o medo, a Casa oferece o chão da convivência, o círculo da palavra e a chance de recomeçar.

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