Hoje vou fugir um pouco da rotina daquilo que costumo a escrever. Geralmente, passo mensagens e construo textos que são voltados a, principalmente, pequenos e médios empreendedores e negociantes. Costumo dar dicas de marketing e conselhos para uma melhor eficiência na hora de comunicar seus produtos e serviços no mercado no qual estão inseridos.
Nesse artigo, no entanto, vou dividir um pouco da minha experiência de viver na África, mais especificamente no Senegal, e como os mercadões de rua (algo extremamente comum por aqui) têm sua forma toda particular de fazer o seu marketing, e como a cultura impacta nas estratégias traçadas (ou talvez intuídas) pelos comerciantes que ali estão. Será mais um relato daquilo que observo que qualquer dica ou conselho do que fazer em seu negócio.
Primeiramente, é extremamente curioso observar que, apesar das ressalvas (que serão citadas no decorrer do texto), essencialmente a lógica não é tão diferente daquela vista em um mercadão de Madureira, por exemplo. Somos mais parecidos mundo afora que imaginamos. E, paradoxalmente, muito diferentes também.
Os comerciantes gritam, se fantasiam, usam megafone, interpretam, se vestem com seus produtos e todo o necessário para tentarem se destacar na multidão de outros concorrentes e de pessoas que passam com passos apressados em direção às suas vidas. Muitos deles fazem tudo isso ao mesmo tempo.
Eu, talvez por ser notadamente um não-senegalês, tendo em vista a cor da minha pele, costumo ser assediado com ofertas por todos os lados. Uma associação automática à cor da pele e poder aquisitivo são extremamente evidentes. A mesma associação lhes permite igualmente, eticamente sem culpa nenhuma, inflacionar os preços dos produtos se eu estiver interessado. E acredite: não há nenhum peso na consciência por isso.
Outra estratégia de marketing que é muito utilizada, muito por influência da cultura, devo dizer, é o toque humano. As pessoas que estão tentando vender seus produtos recorrentemente te tocam na tentativa de te puxar, num ato quase à força, para visitar suas variedades e, posteriormente, comprá-las. O “privilégio” de ser tocado ao adentrar um mercadão não é exclusividade dos turistas, essa prática acontece com todos aqueles que são vistos como potenciais consumidores a serem convencidos. Dá certo? Não sei. Nunca deu comigo, mas aparentemente não é mal visto por aqui. Ah, claro que tocar não é também exclusividade das relações comerciais. As pessoas se tocam muito enquanto interagem socialmente também.
O que se observa é que não há nenhuma cerimônia em, nem ao menos, manter uma aparência de que os produtos que estão sendo comercializados estão passando por um cuidado especial antes de ir para as mãos do consumidor final. Muito pelo contrário. Os comerciantes de roupas, por exemplo, quando estão cansados da sua longa jornada de trabalho, repousam deitados em cima da mesma pilha de roupas que, minutos atrás, ofereciam ao público que passava. O mesmo acontece com os que vendem sofás e, não raramente, por exemplo, são vistos repousando sobre os seus produtos.
Essa prática não parece incomodar o consumidor. Na verdade, os consumidores não parecem se incomodar com muitos dos estímulos que são postos à prova ao cruzarem diariamente os comércios informais que estamos abordando.
E, por falar em informalidade, essa é uma prática extremamente presente, como já devem ter observado ao longo do texto, em toda a relação comercial desses mercados. Não há um tratamento especial por parte do vendedor e nem nenhum empenho sobre-humano em fazer com que aquele potencial consumidor se sinta VIP ou exclusivo.
O que é mais legal nisso tudo? Tudo funciona extremamente dentro das suas formas culturais e ninguém parece perceber o quanto poderiam estar fazendo diferente (sem entrar no mérito do resultado). Curiosamente, há uma espécie de cegueira cultural e os comportamentos vão sendo reproduzidos e repetidos por toda a parte. Mas, pensando bem, não é isso que acontece no mundo todo?
Bom, para nós, que trabalhamos com marketing, qual é a lição que fica? Boa sorte tentando fazer o diferente para agradar os clientes e, ainda assim, nos mantermos dentro da cultura que estamos inseridos.
Para finalizar, venho nesse artigo fazer um pedido. Uma vez que sou o responsável pela comunicação da jovem Djagora University aqui no Senegal, peço sem rodeios a ajuda com qualquer valor na doação de fundos para financiar os estudos de muitos dos nossos alunos que não têm nenhuma condição de pagar pela oportunidade. Sim, absolutamente qualquer valor vale! É só doar aqui. É rapidinho: https://www.gofundme.com/djagora2