As notícias alertando sobre a venda de produtos vencidos em restaurantes têm se tornado mais corriqueiras do que deveriam ser. Porém o que talvez mais assuste seja o fato de vários estabelecimentos caros e que, portanto, deveriam exatamente apresentar maior qualidade em seus serviços, realizarem essa prática. Em que pesem o trabalho das delegacias de proteção ao consumidor e a fiscalização de órgãos públicos, como o Procon, acaba pairando a dúvida acerca do que se está comprando: será que realmente está se comendo algo estragado?
Essa questão inicialmente parece pequena diante do quadro que o Brasil e nosso Estado do Rio de Janeiro vivem, mas não é. A venda indiscriminada de produtos vencidos, além de ferir as normas de qualidade impostas pelos governos e forçar gastos maiores com fiscalização, combate e sanção dessas condutas, põe em risco a saúde pública, afinal, o consumo de alimentos fora da validade pode acarretar doenças, dores, até morte, além de gerar uma desconfiança nas relações de consumo, o que afeta a economia, ainda que em pequena escala.
Diante disso, o direito de nosso país responde de diferentes formas. Por exemplo, o consumidor que sofreu algum dano pode entrar com um pedido de responsabilização civil do estabelecimento, por danos materiais e até danos morais. Ou ainda, o restaurante pode ser multado e talvez fechado pela Administração Pública, já que não respeitou as normas que deveria, pondo em risco a integridade física da população. Mas também os responsáveis podem ser presos: sim, oferecer produtos alimentícios fora do prazo de validade para o consumo é crime!
No sistema penal brasileiro, o crime tem que estar previsto detalhadamente em lei federal, ou seja, deve ser tipificado na Lei, como falam os juristas. No caso em tela, temos o art. 7°, IX, da Lei n° 8.137/1990: Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo: IX – vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo; Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte. E note-se, quem sofre esta sanção, esta pena, não é a empresa, e sim uma pessoa física. Mas como se verifica isto? Seria responsável qualquer pessoa que trabalhe no restaurante?
Este é um ponto problemático, pois a responsabilidade penal é mais limitada que a administrativa e a civil: nestas, em regra, pune-se a própria empresa, mas na penal, atingem-se indivíduos. Mas uma boa maneira de saber quem pode responder penalmente é avaliar quem são os responsáveis por verificar a validade dos alimentos, sendo que geralmente seriam o chefe de cozinha, alguns funcionários que trabalham nesta área, o próprio gerente. Após ver se ocorreu dolo (intenção) ou culpa na conduta, isto é, se aquela pessoa tinha a intenção real de oferecer os alimentos estragados ou não se importou com isso (dolo, art. 18, I, do Código Penal), ou ainda se falhou na sua fiscalização, “deu bobeira” (culpa, art. 18, II, do Código Penal). Essa diferenciação, inclusive, vai influenciar no tamanho da eventual pena, já que a conduta dita dolosa é mais reprovável pelo direito – e com razão. Por fim, caberia ver se há nexo de causalidade entre a conduta da pessoa, seja culposa ou dolosa, e o resultado danoso, que é a mera venda da comida estragada, isto é, se este indivíduo, concretamente, agiu de modo a criar/causar este resultado.
Claro que a análise penal é bem mais complexa do que o que foi exposto. Mas é importante se ter noção de como ela se dá, até para se evitar a prática do crime. Afinal, quando ocorre o crime, deve ser aplicada a pena, mas o ideal para todos é que não seja praticado crime algum, sendo a conscientização um dos primeiros passos para isso.