Por que precisamos falar sobre o autismo? Porque o número de autistas cresceu de forma vertiginosa e estamos dando rótulos a toda e qualquer criança, adolescente e adulto que não fala, não olha ou tem comportamentos estereotipados. Parece que esquecemos toda uma gama de situações provocativas de entraves no desenvolvimento e na aprendizagem das pessoas. Sem falar em um sistema social em que as relações humanas foram trocadas por celular, tablet e computadores.
Em recente matéria na Folha do Rio de Janeiro, afirmei: temos uma grande confusão epistemológica na internet, isto quer dizer que um pai que recebe o diagnóstico de autismo ficará enlouquecido sem saber para onde ir. São tantas falas, tantas propostas, algumas indecentes! Tantas metodologias, mas poucas tomam o cuidado de mostrar suas bases filosóficas e epistemológicas. O pior é que se formaram vários grupos no WhatsApp como forma de ajuda mútua, mas a maioria pega o número de mães que dariam a vida pela cura de seus filhos para propostas ausentes de humanização. E os valores? As consultas já chegaram a mil reais e os pais se endividam para pagar uma consulta na esperança de resolução de seu desespero. Não, isso apenas inicia uma longa jornada de dúvidas, investimentos no filho – quando conseguem – e a anulação parcial ou total da vida conjugal. Não é à toa que a maioria das listas é composta por mulheres.
Como tudo se tornou rápido, as pessoas não param para analisar, processar, desdobrar e transformar. As pessoas simplesmente saíram diagnosticando. Até o DSM-V, catálogo de doenças internacionais, colocou todos os casos em um único rótulo: Transtorno do Espectro Autista. E o grande perigo é que não estamos mais buscando a origem, a base, o surgimento dos bloqueios. Então, uma criança com dois anos que não fala e faz o que deseja já recebe o título de autista e uma vida rotulada e permissiva porque é autista. O que pode ser apenas um atraso de desenvolvimento intensificado por atitudes facilitadoras da família pode transformar-se em um problema crônico.
Há pesquisas importantes a nível internacional sobre alterações bioquímicas provocadas por situações de stress e usos de antidepressivos que vão interferir profundamente na organização e balanceamento do feto. Estas pesquisas desenvolvidas por profissionais sérios como David Bevesdorf, da “Universityof Missouri”, e Anick Bérard, da “Université de Montréal”, e do “Centro Hospitalar Universidade Sainte- Justin” devem colaborar para pôr fim às pesquisas simplistas e cartesianas que tentam encontrar apenas em uma das dimensões (normalmente a biológica) o resultado do autismo.
Não se pode acreditar que em 2018 ainda pensamos saúde sob este olhar simplista. Quando pensamos em autista, pensamos de forma hologramática. Fatores bioquímicos provocados por substâncias e por estresse que agem diretamente na constituição da serotonina são um alvo importante de estudos.
Então, partindo de uma ideia mais complexa sobre o autismo, em que fatores internos e externos dialogam, precisamos falar sobre o diagnóstico que só pode ser feito a partir da leitura de uma equipe interdisciplinar, reforçando a análise de um psicomotricista, profissional capaz de analisar as relações e questões ambientais presentes. Mas é preciso falar também sobre a ausência de espaços onde os autistas sejam sujeitos pensantes e não meros objetos de manipulação cientifica e pedagógica.
Como educadora de base francesa, tendo Célestin Freinet como referência, não posso admitir métodos que forçam os autistas à aprendizagem. Em recentes pesquisas, a “Escola de Autistas do Rio de Janeiro” anuncia que durante cinco anos mapeou a aprendizagem de autistas e, independente dos graus rotulantes, eles sentem, pensam, desejam e transformam dependendo das atitudes dos adultos em torno. Buscando cada vez mais compreender a linguagem dos autistas, as pesquisas procuraram registrar passo a passo a ampliação da consciência e a capacidade de se tornarem pessoas vivas em uma sociedade excludente. Falar de autista é salvar o sujeito que habita neles. Esta expressão recebi de uma professora universitária que, após a minha palestra, me disse: “Você salvou o sujeito!” O que ela queria sinalizar é que estamos falando muito dos autistas, mas quem tem que falar é ele mesmo!