A zona de conforto é aquele lugar de descanso. É o local onde aliviamos o peso da responsabilidade de “ser” e “ter” para simplesmente curtir a ociosidade. A zona de conforto é o momento em que fazemos um pacto com o tempo, segundo Mário Quintana, e não o perseguimos e nem ele nos persegue. É tão bom que quando entramos lá, ruim é sair. Tem gente que tem alergia a este nome, rotulam de acomodados os que lá estão.
Curiosamente, quando pensamos neste lugar chamado “Zona de Conforto” raramente pensamos em nosso trabalho, enquanto ofício e labor. Quase que automaticamente somos remetidos ao sofá ou cama da nossa casa, num dia chuvoso assistindo vários filmes na sequência. Poucos são os que se imaginam num ano sabático viajando, curtindo praia e noites enquanto os meros mortais trabalham.
Pensar nisso sem se autocensurar é quase impossível, não podemos ser tão “vagabundos”. Mas, parafraseando a campanha de uma rede de supermercados, o que é que te faz feliz? Para você o que é felicidade? Aqui temos as questões centrais que podem nos levar a uma conclusão interessante. No grego antigo, várias palavras traduziam distintos aspectos da felicidade. A principal delas era “eudaimonia”, derivada dos termos eu (“bem-disposto”) e “daimon” (“poder divino”). Trata-se da felicidade entendida como um bem ou poder concebido pelos deuses.
Segundo Aristóteles, a felicidade é a plenitude interior das virtudes. Ela não está condicionada a fatores externos, mas sim o quanto o indivíduo se conhece e busca respeitar a si vivendo e tomando decisões de forma coerente com as suas virtudes e elevando a plenitude de tais valores dentro de si.
O aspecto dificultador aqui é o fato de que felicidade é um composto complexo cuja receita varia de pessoa para pessoa. Infelizmente (ou felizmente) ela não pode ser copiada ou reproduzida. A felicidade são momentos em que de uma forma harmônica esses elementos se combinam e elevam a nossa potência de agir, proporcionam a plenitude de nossos valores.
A Zona de conforto é o lugar onde somos felizes. É onde recebemos nossas recompensas por aquilo que fizemos ou deixamos de fazer. Portanto, deixar de passar pela Zona de Conforto é desumano, é infeliz. É como ganhar o campeonato e não receber a medalha. É se graduar e não receber o diploma. Em alguns momentos da vida todos nós entramos (ou entraremos) na chamada zona de conforto.
A Zona de conforto é um estado de espírito. É um comportamento ao qual a nossa potência de agir fica em “stand by”. Na zona de conforto não empregamos potência para se movimentar. Nós não vamos até as coisas, as coisas vem até nós, ou ficamos esperando até que venham. É um estado mental. Sendo assim, ricos e pobres, dos mais cultos aos mais menos educados, todos nós em algum momento entramos na zona de conforto.
Ora, empreendemos força e tempo para que possamos entrar na zona de conforto. Tem gente que trata a zona de conforto como no desenho que marcou os anos 80 “Caverna do Dragão”, onde adolescentes ficam presos num mundo estranho e nunca conseguem encontrar o caminho de volta para a terra. Vivem lutando e não conseguem chegar na zona de conforto, aqui representado pelo lar. Não, a zona de conforto não é um lugar ruim. Ruim é pensar que ela não existe. Como seria injusta a vida se nunca pudéssemos entrar na zona de conforto. Nossa vida seria uma imensa zona de desconforto. Que tragédia!
O ser humano, em seu “modus operandi” é programado para buscar sempre a zona de conforto. Conforto aqui é sinônimo de satisfação. E satisfação leva à acomodação e sono. Já percebeu quando você se farta com uma deliciosa refeição, em seguida a fartura dá sono? Satisfação leva as pessoas à zona de conforto e quando chegam lá não querem mais sair. Nas empresas, os funcionários buscam sempre a zona de conforto, e por isso, as empresas investem em liderança. Líderes existem nas empresas para criar tensão e força a fim de tirar a equipe de uma zona de conforto para outra. Líderes são aqueles que planejam a viagem e conduzem a equipe nesta travessia, sempre com a promessa que a próxima zona de conforto será melhor do que a primeira.
Não há problema de estar na zona de conforto, há problema em nunca lá ter chegado. Isto é infelicidade e frustração. Pessoas que nunca estiveram na zona de conforto vivem uma vida em preto e branco. O desafio reside na capacidade de acreditar que existe vida após a zona de conforto e encorajar para empreender uma nova jornada. Crer que podemos alcançar e viver momentos tão prazerosos quanto esses proporcionados.
A felicidade não é algo que podemos decodificar para reproduzir quando quisermos. Embora nós seres humanos insistamos em acreditar que podemos. Temos a mania de querer registrar tudo em fotografias e filmagens. É a tentativa de querer estender ao máximo tais momentos de felicidade. E por vezes, perdemos o brilho e a magia do presente preocupados com o futuro. Nada pode substituir a maravilhosa experiência do viver. Ao ativarmos a memória, tentamos de forma precária reproduzir a plenitude da emoção do momento vivido.
Vejo problema ainda em pessoas que sem plantar nada, tentam pegar carona na zona de conforto do vizinho. É querer colher sem plantar. Geralmente, o resultado é ruim e frustrante.
O que é o plano de aposentadoria no Brasil senão a defesa da ideia de pagar um alto preço dedicando tempo, saúde e abnegação para um dia chegar e morar na zona de conforto?
O barato aqui é a bipolaridade. Ficar indo de um polo a outro. É chegar, ficar na zona de conforto, e sair. Ir para o próximo estágio. Afinal de contas, não nascemos com raízes para não ficarmos plantados. É aprender a descansar sim, curtir momentos de plenitude, satisfação, felicidade e sono. Dormir com o gosto da satisfação, acordar quando ficar cansado de dormir e, com disposição, empreender a próxima colonização. Descobrir novas terras. Mas é preciso aprender a curtir o conforto da zona. Somos seres condicionados a estímulos e o conforto da zona é um oásis no deserto do capitalismo. Mas não apenas para paragem, e sim como estímulo para continuar a jornada.
Zonas de conforto são como postos de combustível na estrada da vida. Este combustível é a felicidade. Pararmos num posto e abastecemos o carro, mas se não acreditarmos que existe outros postos ao longo da estrada, não sairemos do lugar. Mas aqui, qual é o propósito? Manter o carro abastecido ou usar o combustível para descobrir novos lugares? Na vida a felicidade é combustível para ir além e acumular mais felicidade. Ficar parado é a grande tragédia de acabar com qualquer possibilidade de se abastecer mais com felicidade. E o combustível abastecido e não utilizado transforma-se em infelicidade. Por isso, o conforto da zona precisa ter um prazo. Só o fato de pensar em ali ficar começa-se o processo de esvaziamento de prazer daquele lugar espetacular. É como se mudar para o lugar mais maravilhoso em que você passou férias. É contaminar o conforto da zona com o cheiro da rotina e da normalidade.
Vamos avançar. Curtir o conforto da zona, sem se deixar encantar pelo canto da sereia. É ficar satisfeito e logo se deixar vencer pela insatisfação. Dar vazão ao insaciável jeito de viver dos humanos. Celebrar a vida, empreendendo força para acumular muitos, mas muitos momentos de conforto, aí sim ser um verdadeiro milionário da vida.