Só quem tem ou convive com um paciente com demência de Alzheimer sabe o que isso significa. Não é fácil para ninguém. O paciente tem oscilações importantes de humor e comportamento. Tem dias em que está calmo, tranquilo, conversa com facilidade e até lembra de coisas que te fazem duvidar do diagnóstico. Porém, há os dias em que acorda agressivo e agitado, grita por tudo e pede socorro como se alguém estivesse o “matando”. Troca o dia pela noite ou simplesmente não dorme hora nenhuma. Não aceita água nem comida, rasga todas as fraldas, quer ir para casa de qualquer jeito (mesmo estando em casa), cospe os remédios e grita mais ainda. Nesses dias, muitos têm vontade de gritar junto, muitos se desesperam e têm certeza de que não irão conseguir lidar com isso até o final. Quem não gritaria? Quem não se desesperaria?
Cuidar de um paciente “demenciado” requer, acima de tudo, entendimento e aceitação. É fundamental compreender a doença e suas fases, saber que haverá dias bons, dias ruins e dias péssimos. Compreender que o paciente não faz por maldade ou querer, que ele não te agride ou xinga de forma pessoal, que ele não deixa de dormir para te perturbar. Tudo isso faz parte do processo da doença e por mais que, para algumas pessoas, saber de tudo pareça ser uma maneira de sofrer por antecipação, eu, como geriatra, posso garantir que não. Conhecer cada fase da doença e tudo que pode acontecer ajuda e muito a reconhecer quando as coisas começam a acontecer, ajuda a prever como lidar e acima de tudo a perceber quando você, o cuidador, precisa de ajuda.
Ninguém precisa ser super-herói. Não é errado dizer que não está dando conta nem pedir auxílio quando a situação parece fugir ao controle. Somos humanos! Lidar com a inversão de papeis é muito difícil, ser pai do seu pai ou mãe da sua mãe não é algo que estamos preparados para vivenciar. Perceber as limitações diárias, as perdas cognitivas e as habilidades que antes pareciam tão simples é doloroso. Para todo mundo. Como geriatra, eu sempre digo que no começo eu cuido do paciente, mas depois preciso cuidar muito mais da família.
O paciente, dentro do seu processo de demência, está bem. Não há medicamentos modificadores da doença até a presente data, assim ele está estável dentro das possibilidades impostas pela patologia. Mas a família está vendo tudo acontecer, acompanha cada perda e cada ganho. E sofre… e questiona… e tem medo… e tem angústia. Sofre por achar que não está fazendo o melhor ou o suficiente. Questiona o porquê de estar passando por isso, tem medo de se ver nesta mesma situação lá na frente, se angustia com o que está por vir.
Aqui, a presença do geriatra é fundamental. O consultório passa a ser o lugar para conversar, tirar as dúvidas, questionar e se preparar. Uma boa relação geriatra-família é primordial para que tudo seja vivenciado de forma lúcida e, acima de tudo, tranquila. Não existe fórmula mágica, mas quando tudo parece não ter jeito, só o amor pode ajudar.
Drª Roberta França
Medicina Geriátrica